sábado, outubro 21, 2006

Fábrica de Briquetes da Mina do Espadanal. Património de Interesse Municipal.



A PRESENÇA DE UM MODERNO ESQUECIDO

Urbano, isolado no limite, a nascente, do tecido urbano da cidade de Rio Maior – em elevação sobranceira à recentemente inaugurada Avenida Dr. Mário Soares, ergue-se, monumental, o derradeiro testemunho de uma época fulgurante da história contemporânea riomaiorense, solidamente eternizado nas arestas de uma volumetria purista.
Materialização última do esforço de uma comunidade, elevada sobre meio século de um rumoroso movimento humano, obscuro – justificação final do empenho de tantas faces anónimas que ainda hoje a contemplam.
Presença expectante, ubíqua, detendo-nos a cada momento pelos percursos da cidade, persiste, afrontando o avanço de um envolvente manto genérico, nivelador.
Não relativizável, mas no entanto vulnerável ao esquecimento. Evidente, mas no entanto invisível ao olhar que não interroga, a Fábrica de Briquetes da Mina de Lignite do Espadanal espera o tempo de ressurgir – ícone da Identidade riomaiorense.

Edifício industrial para processamento de minério, integrado num vasto complexo mineiro composto por três planos fundamentais: - Extracção, Processamento e Transporte.
A Fábrica de Briquetes é um sistema edificado que integra as secções de produção de energia, armazenamento (silos), secagem, prensagem e exportação de lignite para o cais de embarque.

O PERÍODO MINEIRO. CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE RIOMAIORENSE

Remonta ao período da Primeira Guerra Mundial o reconhecimento da Mina de Lignite do Espadanal, localizada por Aires Augusto Mesquita de Sá e pelo Padre Hymalaia em 1916, e registada por António Custódio dos Santos, proeminente republicano, director do jornal “O Riomaiorense”, em acção de marcada controvérsia que o levaria mais tarde ao exílio no Brasil, após um curto período de exploração mineira em sociedade com a empresa Leite, Sobrinhos e C.a.
É no dealbar da década de 20, período de paz entre guerras, que se estabelecem os fundamentos do futuro desenvolvimento industrial. Em escritura pública de 15 de Setembro de 1920, constitui-se aquele que virá a ser o principal interveniente até ao encerramento da mina, assumindo os activos da exploração em 1923: a Empresa Industrial Carbonífera e Electrotécnica L.da – com uma sigla que marcará de forma indelével o século XX em Rio Maior.
As décadas que se seguiram – meio século sob o signo da E.I.C.E.L. – prefiguraram a concretização de um longamente acalentado desígnio de progresso industrial. Época estruturante da História riomaiorense, aliando a uma intensa actividade produtiva um impacto económico e cultural decisivo na transição da local ruralidade oitocentista para uma modernidade sonhada e então finalmente possível – fundando o seu sucesso num afluxo migratório sem precedentes, movido por uma nova capacidade de trabalho e novos valores – progressiva infusão de uma urbanidade diversa, reflectida no desenvolvimento de novos conceitos de acção social e cultural que moldariam uma renovada comunidade riomaiorense.

A INTERVENÇÃO DO ESTADO. RIO MAIOR, RESERVA DE COMBUSTÍVEL NACIONAL

A exploração mineira riomaiorense teve importância vital, comprovada, na produção energética nacional durante a 2ª Guerra Mundial, constituindo o seu desenvolvimento um avultado investimento público, continuado no I Plano de Fomento Nacional, o que confere a este conjunto a qualidade de documento da política económica nacional das décadas de 40 e 50, patente na participação dominante do Estado na gestão da empresa concessionária, na criação de diversa legislação impulsionadora da exploração e aceitação no mercado das lignites de Rio Maior e simultaneamente no patrocínio activo e enquadramento legal das infra-estruturas.
Em 19 de Setembro de 1942, através do decreto-lei nº 32270, como resposta às crescentes dificuldades de importação de carvões, as minas de Rio Maior são chamadas a cumprir uma função de reserva de combustível nacional, iniciando um período de actividade intensa, com um aumento exponencial das tonelagens de minério extraídas.

Das premissas do decreto-lei nº 32270 uma, em particular, encontrará eco profundo na população local: a construção de uma via-férrea entre Rio Maior e o Vale de Santarém para transporte de minério. A criação desta nova infra-estrutura, inaugurada em 24 de Abril de 1945, surge como um sinal de irreversível progresso aos olhos de uma comunidade que, em luta acesa desde o início do século, reivindicava a ligação das linhas-férreas do Norte e do Oeste, com passagem por Rio Maior. No entanto, a concretização total desse desígnio, acalentado até ao final do período mineiro, não se verificaria.
O final do conflito europeu e o restabelecimento do normal fornecimento de combustíveis colocam às Minas do Espadanal, no final da década de 40, o desafio da viabilização económica de um vasto sistema produtivo e social criado, no qual a empresa concessionária será decisivamente secundada pelo Estado.
A solução ponderada prevê, pela primeira vez, a construção de uma central termoeléctrica, autorizada em 1950 por despacho do Ministro da Economia mas logo ultrapassada pela política em curso, de fomento da energia hidroeléctrica.

A EDIFICAÇÃO DA FÁBRICA DE BRIQUETES

Inviabilizada a solução pela produção de electricidade, a empresa decide em Janeiro de 1951, a instalação definitiva de uma Fábrica de Briquetes, substituindo instalações provisórias em laboração desde 1949.
Em 25 de Novembro do mesmo ano, o projecto da futura fábrica, da autoria conjunta do Gabinete de Desenho da E.I.C.E.L. e dos engenheiros alemães Helmudth Kuhn e Lipe, é apresentado pelo director técnico da empresa concessionária, Eng.º Luís de Abreu Falcão Mena, ao Ministro da Economia, Dr. Ulisses Cortês, em visita às instalações da mina.
A autorização governamental surge então em despacho de Junho de 1952 com a atribuição de um financiamento de 30.000 contos pelo Fundo de Fomento Nacional e em Outubro desse ano têm início os trabalhos de construção, em empreitada arrematada à firma Sociedade Sanfer L.da, de Lisboa.
Após um processo de edificação acompanhado com grande interesse pela imprensa local e destacado em diferentes diários de tiragem nacional, a monumental Fábrica de Briquetes iniciou a laboração em Junho de 1955.

As décadas de 50 e 60 assistem ao auge da indústria mineira riomaiorense, com o crescimento da acção social e cultural – marcada pela actividade do Clube de Futebol “Os Mineiros”, pela criação de uma escola para adultos em 1956, pela edificação do Bairro mineiro de St.a Bárbara em 1959 e pela ampliação dos serviços médico-sociais em 1962 – mas prenunciam também o declínio, num crescendo de contestação laboral até à suspensão em 1969, com vista a uma reestruturação da produção, assente num método de exploração a céu aberto e instalação de uma central termoeléctrica. Em 1970 os activos da Mina do Espadanal são transmitidos à Companhia Portuguesa de Electricidade (actual EDP) e a E.I.C.E. (S.A.R.L.) é então liquidada.
Durante a década de 70 e parte da década de 80 continuam os estudos para a sucessivamente malograda instalação de uma central termoeléctrica, que redundariam em insucesso e definitiva anulação da concessão mineira em 1988.
No ano de 1999, as diversas parcelas do couto mineiro, num total de 110.380m2 são adquiridas pela Câmara Municipal de Rio Maior, assegurando uma gestão riomaiorense do mais importante documento da memória colectiva local.
Sob a presente responsabilidade temporal do Município, a Fábrica de Briquetes, obstinada remanescência do passado mineiro, constitui um inquestionável legado – pertença, por direito, das gerações de um Rio Maior futuro.

Nuno Alexandre Rocha. Arq.

in Região de Rio Maior nº941 de Sexta-feira, 20 de Outubro de 2006

Fábrica de Briquetes da Mina do Espadanal. Património de Interesse Municipal



PROCESSO DE ESTUDO E SALVAGUARDA DO PATRIMÓNIO MINEIRO

Partindo de um entendimento do património enquanto testemunho de um tempo particular na perene (re) edificação do Território da Identidade – permanência significante em face da contínua mudança – surge, em resposta ao avanço da cidade genérica, a urgência da salvaguarda das obras qualificantes do longo percurso evolutivo de uma comunidade.
Sob iniciativa individual de promoção do Estudo e Salvaguarda do Património Arquitectónico do Concelho de Rio Maior, iniciado a título particular e proposto à Freguesia de Rio Maior no âmbito de relação contratual à data existente, foi desenvolvido um vasto Inventário do qual surgem em evidência algumas edificações notáveis sobre as quais recaiu atenção particular.
Destaca-se o Património Mineiro, nas particularidades da sua arquitectura e da sua relação com a História local. Do estudo detalhado deste Complexo Edificado resultou uma completa síntese documental, fundada nos mais correctos princípios de Análise Patrimonial através da promoção de estreita colaboração com as mais credenciadas instituições nacionais, nomeadamente o Instituto Português do Património Arquitectónico, a Ordem dos Arquitectos e a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais da qual se obtiveram importantes resultados na análise do valor da Fábrica de Briquetes da Mina do Espadanal enquanto documento histórico e cultural incontornável de um século XX riomaiorense.

IPPAR DEFENDE CLASSIFICAÇÃO COMO PATRIMÓNIO DE INTERESSE MUNICIPAL

Na sequência de exposição do estudo realizado ao Instituto Português do Património Arquitectónico, deslocou-se a Rio Maior, no dia 4 de Abril do ano corrente uma reputada investigadora dos quadros daquela entidade, responsável por alguns dos mais importantes trabalhos em curso na área de estudo da Arquitectura Industrial, para visita ao edifício da Fábrica de Briquetes da Mina do Espadanal, previamente autorizada pela Câmara Municipal e acompanhada por responsáveis técnicos do município.
Esta visita marcou o início de extensa análise do património em colaboração directa com o IPPAR na qual se sistematizou e aprofundou o conhecimento do valor arquitectónico e histórico do Complexo Mineiro do Espadanal, permitindo a posterior emissão de um parecer sobre o Valor Patrimonial e Medidas de Salvaguarda a adoptar.
O Parecer, subscrito pela Presidência do IPPAR, estabelece o enquadramento necessário para a sensibilização das entidades locais em face de um conjunto patrimonial até aqui, e salvo honrosas excepções, negligenciado.
A excelente análise do existente, da sua importância patrimonial e consequente proposta de salvaguarda, sintetiza um quadro de valores incontornáveis e não relativizáveis, dentro de um princípio de integridade conceptual informado pela mais consolidada produção de conhecimento na área dos estudos de património.
O IPPAR define neste documento a necessidade de Classificação da Fábrica de Briquetes da Mina do Espadanal enquanto Património de Interesse Municipal propondo em simultâneo a realização de plano de pormenor contemplando um programa de refuncionalização adequado ao valor histórico e arquitectónico do local.

INVENTARIAÇÃO PELA ORDEM DOS ARQUITECTOS NO IAPXX

Do reconhecimento do valor do Complexo Mineiro do Espadanal enquanto criação arquitectónica é necessário destacar a sua inventariação pela Ordem dos Arquitectos, no Inquérito à Arquitectura em Portugal no Século XX.
A inventariação pelo órgão tutelar da prática da arquitectura em Portugal, estabelece um quadro de valor não negligenciável – suporte teórico institucional à presença do conjunto edificado da Mina do Espadanal num vasto objectivo nacional de conhecimento e salvaguarda de um património que pela sua proximidade temporal e inexistência de protecção legal constitui um universo de edificações em risco de irreversível descaracterização ou mesmo total desaparecimento.
Na sequência de solicitação aquando da deslocação a Rio Maior dos técnicos responsáveis pelo levantamento, foi pessoal e posteriormente disponibilizado à Ordem dos Arquitectos um completo processo de estudo permitindo uma apreciação detalhada do Património Mineiro de Rio Maior no âmbito de futuro desenvolvimento da base de dados do IAPXX.
A ficha de inventário da Fábrica de Briquetes pode ser consultada em http://iapxx.arquitectos.pt

Edificação icónica, firmando profundamente as suas raízes na identidade local, a Fábrica de Briquetes assume singularidade enquanto marco da mais rica e fecunda época da produção arquitectónica riomaiorense – mas estabelece em simultâneo o seu lugar tecnologicamente singular e arqueologicamente relevante enquanto única unidade industrial com as suas características técnicas instalada em Portugal.

INVENTARIAÇÃO PELA DIRECÇÃO GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS

Referência no Estudo e Inventariação do Património Arquitectónico em Portugal, a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais surge como interlocutor indispensável ao enquadramento de uma iniciativa de carácter local na tradição de uma metodologia cientificamente rigorosa e de âmbito alargado, nacional.
O reconhecimento do Património Arquitectónico do Concelho de Rio Maior, num quadro de ampla divulgação, abre assim uma via relevante para a sensibilização dos agentes da gestão territorial em face da presença de um legado não raro negligenciado, por manifesta ausência de informação.
Da presente iniciativa individual resulta a Inventariação da Fábrica de Briquetes na Base de Dados Nacional da DGEMN com o nº IPA PT031414080019, após visita a Rio Maior em 23 de Agosto do ano corrente, da Coordenadora da Inventariação do Património Arquitectónico do Distrito de Santarém. A síntese do vasto conjunto de informação trabalhada no processo relativo ao Património Mineiro riomaiorense tomou assim forma pública através de ficha de inventário disponibilizada para consulta em www.monumentos.pt

O desenvolvimento necessário de um processo territorialmente abrangente de Inventário do Património Arquitectónico no Concelho de Rio Maior, em colaboração com as mais reputadas entidades nacionais da área de estudos patrimoniais, prossegue a título individual como procura de conhecimento e valorização das mais relevantes expressões de uma secular produção arquitectónica local.

PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO ENQUANTO PATRIMÓNIO DE INTERESSE MUNICIPAL

Em conclusão do Processo de Estudo e Salvaguarda do Património Mineiro, foi oficiada à Câmara Municipal de Rio Maior, no dia 4 de Setembro, uma proposta de Classificação da Fábrica de Briquetes e Plano Inclinado de Acesso às Galerias da Mina do Espadanal enquanto Património de Interesse Municipal, subscrita pela Junta de Freguesia de Rio Maior, no entendimento de que o patrocínio desta acção do maior significado cultural encontra no executivo camarário o mais digno enquadramento institucional.
A incessante tábua rasa do perpétuo presente encontrar-se-á por uma vez em face da tomada de consciência de uma memória colectiva em defesa da qual se ergue um conceito de solidariedade geracional – base da evolução de um projecto cultural de natureza civilizacional.
A Fábrica de Briquetes da Mina do Espadanal persistirá. Novamente símbolo – já não de uma modernidade industrial, mas da capacidade e qualidade de uma comunidade que soube erguer-se em face da negociação da sua dignidade. Símbolo de uma comunidade que logrou opor à rasura dos tempos a marca da sua própria Identidade.

A Classificação constitui uma acção fundamental na certificação de rigorosas metodologias de intervenção em face de um património com elevado potencial para a vivificação da realidade urbana, cultural e turística da Cidade de Rio Maior.
A Fábrica de Briquetes reocupará qualificadamente, e a seu tempo, um lugar central na valorização da Comunidade Riomaiorense.

Nuno Alexandre Rocha. Arq

In Região de Rio Maior nº941 de Sexta-eira, 20 de Outubro de 2006.

sábado, outubro 14, 2006

IPPAR defende Classificação do Património Mineiro Riomaiorense

Complexo Mineiro do Espadanal. Rio Maior.


Na sequência de iniciativa do arquitecto Nuno Alexandre Rocha, apresentada à Junta de Freguesia de Rio Maior no âmbito de vínculo laboral então existente, foi desenvolvido nos meses de Março a Junho deste ano um Estudo Detalhado do Complexo Mineiro do Espadanal, em estreita colaboração com as mais credenciadas instituições nacionais, com destaque para o Instituto Português do Património Arquitectónico, a Ordem dos Arquitectos e a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.

Como resultado do extenso volume de Conhecimento produzido, o IPPAR emitiu em 5 de Julho, parecer técnico redigido por destacada especialista no Estudo da Arquitectura Industrial, defendendo a necessidade de Classificação da Fábrica de Briquetes da Mina do Espadanal enquanto Património de Interesse Municipal.

Em conclusão do Processo de Estudo e Salvaguarda do Património Mineiro Riomaiorense, a Freguesia de Rio Maior apresentou à Câmara e Assembleia Municipal uma recente Proposta de Classificação.

O Município tem assim, no imediato, a oportunidade de desenvolvimento de uma iniciativa do mais elevado prestígio e impacto cultural na Defesa da Identidade Local e Salvaguarda do mais importante legado patrimonial do Século XX - propriedade não negociável de todos os Riomaiorenses.

in Região de Rio Maior nº 940, de Sexta-feira, 13 de Outubro de 2006.